Sentimentos e Símbolos

Após participar nas exposições promovidas pelo Art Forum Internacional, que soube revelar parte do grupo de estudantes da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Raimunda Fortes apresenta uma série de trabalhos na Sala Maia Ramos do Palacete Gentil Braga. A exposição Sentimentos e Símbolos indica não só a opção plástica da aluna como também, e principalmente, exemplifica uma das facetas da produção artística local.

Longe das discussões mais atuais que abordam a destruição do suporte artístico, ou da própria desmaterialização da arte, tratados nos principais eventos internacionais sobre a produção contemporânea, como a Bienal de Veneza, a Documenta de Kassel e a Bienal Internacional de São Paulo, o panorama artístico maranhense, e aqui se inclui todo o Norte-Nordeste, onde o Maranhão não é de forma alguma exceção, ainda trata das relações entre a abstração e a figuração na arte.

Os temas (assuntos) tratados em arte são poucos e os mesmos desde as cavernas: a figura humana, animais, a paisagem natural e construída, interiores e a natureza morta, a abstração decorativa, a narração de eventos. Desse repertório pequeno fez-se toda a história da pintura e do desenho, da gravura e da escultura. O que fez de alguém um artista é como o seu modo de tratar esses mesmos assuntos revelou uma determinada pertinência em um grupo social significativo.

O panorama maranhense vem revelando artistas que num esforço necessário ainda aprofundam esta discussão, aqui entendido como necessário para que o desenvolvimento da sua própria trajetória e da História da Arte local continue em processo de evolução, rumo a compreensão correta de nossa contemporaneidade.

Raimunda Fortes não foge a este entendimento. Assumindo a abstração nesta sua fase produtiva, aproxima-se do “querer fazer” do abstrair como um dado estético. Seus trabalhos refletem a discussão sobre os pressupostos plásticos presentes na obra, longe da atual discussão sobre a realização da obra, proposta por outras coletivas, como é o caso do Projeto Antarctica Artes com a Folha, evento paralelo a última Bienal de São Paulo que, na busca de novos valores em todo o país, apenas apresentou 5 artistas da região norte-nordeste, num total de 62 artistas, em sua maioria do eixo Rio de Janeiro-São Paulo-Belo Horizonte.

A discussão proposta pela artista ainda é pertinente em nosso panorama. Apresenta o mesmo sentimento da forma visual -a sinergia entre o homem e o mundo a sua volta- onde o a abstração é uma conseqüência direta da inquietação interior do artista, provocada por fenômenos do mundo exterior. Este raciocínio não é novo, sendo já discutido por Kandinsky, Mondrian e Malevitch, mas aqui ainda necessário. O impulso artístico original necessariamente não é relacionado com a imitação da natureza, pois o artista busca a abstração pura (atemporal) como um descanso interior para a confusão criada pela imagem do mundo (temporal).

Vida

Raimunda Fortes, também aluna do curso de Educação Artística da UFMA e monitora da disciplina História da Arte, deve sempre ter uma redobrada atenção em seus trabalhos, através das palavras de Rainer Maria Rilke ao jovem poeta Kappus:

“Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, – o único existente. Também (…) não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundezas de onde jorra a sua vida; na fonte desta é que encontrará a resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha a significar que o senhor é chamado a ser um artista.”

José Marcelo do Espírito Santo
Arquiteto e Professor de História da Arte
da Universidade Federal do Maranhão

Perspectiva Interna

Para alguns pintores, a tela resultaria em um espaço análogo ao próprio céu, consagrado, venerado, dentro do qual cores e pinceladas se encontrariam em harmonia, de tal maneira que pudessem propiciar efeitos catárticos de purificação e beatitude em seus admiradores.

Em Fortes, contrariamente, a tela resulta em um espaço que tem a cara da Terra, revolta, indômita, com a substância eclodindo por todos os poros em incontidos focos de rebelião cromática; um espaço que a artista deliberadamente transtorna em cor, emoção e forma em incessante estado de tensão e arte. Aqui, a cor descreve continentes de surpreendente geografia e inusitada demarcação. Estamos diante de uma pintura, na qual a antiga reprodução objetiva do mundo real e de suas coisas cedem lugar à suficiente transmissão de sensações.

Destarte, verifica-se em sua obra a transcendência, no campo pictórico, do universo das aparências sensíveis, hierarquizado e longamente celebrado pelo conjunto das Artes Visuais, no universo das cores e formas abstratas, a meu ver, mais especificamente pertinente à pintura, porque é o que lhe empresta autenticidade e autonomia verdadeiras.

As telas de Raimunda Fortes, autênticos sinais contemporâneos de uma interioridade que se quer resgatada, não falam por representação, mas, através de uma paleta que parece estar em constante ebulição, gritando na voz de tons e cores de inquietante cromática.

Couto Corrêa Filho – Poeta e Crítico de Arte

Insconsciente coletivo

“Raimunda Fortes mergulha nesse insconsciente coletivo – tenso, contraditório – na busca de respostas pictóricas para expressar suas inquietudes diante da vida. O resultado desse diálogo pessoal e interior pode ser visto através de um abstracionismo intenso, caracterizado pelo uso das cores primárias e pela relação sensual entre elas.”

(Jornal “O Estado do Maranhão”, ALTERNATIVO, 18 de setembro de 1998)

…fração do desconhecido

“Na produção de um artista contemporâneo podemos captar aquela fração do desconhecido presente em sua obra que é capaz de desmantelar o senso comum, fomentando assim a discussão artística sem perdermos de vista sua força poética individual. Raimunda Fortes apresenta essa característica e seu trabalho se afirma como um testemunho de alto teor pessoal, refletindo a noção de “si mesma”, que é o instante no qual a artista, entregue ao desconhecido, se funde ao mundo e o recria.”

(José Marcelo do Espírito Santo, arquiteto e profº de História da Arte/UFMA)

Tributo a Raimunda Fortes

Em Fortes
a tela é cor
E mais que isso
é louvor
E mais que isso
é vigor
E mais que isso
é clamor
E mais que isso
é amor
E mais que isso.
Em Fortes
A tela é tudo isso
e ainda assim
É mais que isso.

Couto Corrêa Filho – Poeta e Crítico de Arte